2021 caminha para ter segunda maior área queimada da década

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Depois do incêndio em 2020, que deixou a maior área queimada da história, a região da Transpantaneira, no Pantanal, em Mato Grosso, volta a ser atingida por chamas descontroladas, que obrigam fazendeiros, brigadistas e bombeiros a somarem esforços para tentar evitar o pior. Desde a semana passada, a situação se agravou e, até agora, já são 7,6 mil hectares destruídos pelo fogo. Quem está à frente do combate, entre árvores em cinzas e animais devorados pelo rápido avanço dos focos, acredita que este será um novo marco da destruição do território pantaneiro, mesmo que o fogo seja de menores proporções.

“A formação do Pantanal foi feita por água e fogo. Mas se há recorrência de queimadas por anos seguidos em uma mesma área os danos ficam cada vez mais graves”, afirma Felipe Dias, diretor executivo do Instituto SOS Pantanal.

Em números acumulados, os incêndio de janeiro a agosto de 2021 já garantiram o segundo lugar no ranking de áreas queimadas da década.

Enquanto isso, equipes do Corpo de Bombeiro Militar de Mato Grosso lutam para conter o incêndio no Km100 da Rodovia Transpantaneira, que liga os municípios de Porto Jofre e Poconé. Desde sexta-feira, labaredas se espalham pela vegetação que fica especialmente seca nesta época do ano — com o agravante de que 2021 vive uma seca histórica. Outro ponto de concentração das chamas é o Km60 da rodovia.

“O Pantanal é adaptado ao fogo, mas quando há recorrência anual com severidade em uma mesma região prejudica o bioma. Isso gera uma seleção de espécies, com a exclusão daquelas menos tolerantes às queimadas extremas”, afirmou

Na segunda-feira, o trabalho foi reforçado pela ação de dois aviões Air Tractor, contratados pela Secretaria Adjunta de Defesa e Proteção Civil com recursos do governo estadual. Em terra, muitas vezes, os bombeiros eram obrigados a desistir devido ao perigo de entrar em nuvens de fumaça e fogo. Com chuvas insperadas em regiões próximas, o que aumentou a umidade do ar, a propagação do fogo foi menor, mas mesmo assim está longe de ficar sob controle. Ontem eram aguardados aviões do Instituto Chico Mendes (ICMBio).

Entre janeiro e agosto deste ano, o fogo consumiu 700 mil hectares do Pantanal. A marca é o equivalente a todo 2013 e 2015 e maior do que 2014 e 2018, de acordo com o Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da UFRJ.

“A média histórica entre janeiro e agosto é de 292 mil hectares queimados. Já ultrapassamos muito desse patamar. Ou seja, esse é de novo um ano atípico no volume de incêndios”, avisa a climatologista Renata Libonati, que coordena o laboratório.

Em 2020, foram queimados entre janeiro e agosto 1,6 milhão de hectares. O ano terminou com quatro milhões de hectares incendiados, o que corresponde a 28% do Pantanal, algo nunca registrado até então. Um estudo da UFMS, UFRJ, Embrapa/Pantanal, PrevFogo/Ibama, UFMT e UFBA mostrou que 43% da área queimada no ano passado não havia sofrido incêndios nos últimos 20 anos.

“Isso significa que uma geração toda de espécies mais sensíveis ao fogo podem ter sido prejudicadas com as queimadas de 2020”, afirma Letícia Garcia.

Na avaliação de Angelo Rabelo, presidente do Instituto Homem Pantaneiro, a recorrência de queimadas acima da média ameaça a resistência do bioma.

“O Pantanal tem uma capacidade de se renovar que é reconhecida por causa da água. Mas só Mato Grosso do Sul perdeu 57% do seu espelho d’água. Parte disso por conta da diminuição do processo de inundação do Pantanal”, diz.

Jenifer Larrea, presidente da associação É o Bicho MT, que atua na proteção de animais, esteve no domingo no entorno da Transpantaneira e relata ter encontrado cobras mortas e recebido informações de antas feridas.

“O fogo só não está se espalhando tão rapidamente porque teve uma leve garoa no domingo, e os animais mais afetados até o momento são os rasteiros. Infelizmente, ontem à noite (segunda-feira) soubemos de duas antas atingidas pelo incêndio”, — conta ela, que também prepara um grupo para atuar junto a bombeiros e voluntários. — É muito preocupante porque é a mesma área que queimou no ano passado. A queima uma vez ao ano é muito prejudicial para a fauna e a flora. É uma área que estava se regenerando muito lentamente e agora de novo vem o fogo. Acredito que os impactos serão ainda maiores.

Há suspeita de que o incêndio na área do km 100 da rodovia tenha começado por uma ação criminosa, segundo o Corpo de Bombeiros, porque os focos iniciais tinham distâncias semelhantes. Mas ainda será necessário realizar uma perícia. Na Ponte 70, de madeira, um foco foi apagado rapidamente.

A ação de combate aos incêndios inclui bombeiros militares e civis, brigadistas do SOS Pantanal e soma ainda os esforços de pantaneiros. A Secretaria Estadual de Meio Ambiente também participa do trabalho e são usados caminhões-pipa enviados pela empresa Águas Cuiabá. Os bombeiros informam que o combate ao fogo na região é extremamente difícil porque há poucos acessos pela estrada e densa vegetação seca em terreno de muitos brejos.

LIÇÕES DO FOGO – Sete caminhonetes transportam militares até os locais onde é possível acessar de carro. Além disso, um quadriciclo é usado para levá-los aos pontos mais isolados. A Sema-MT enviou maquinários como tratores, pá carregadeira e esteiras para auxiliar o trabalho.

Uma pista de pouso foi improvisada, e a água utilizada para encher os aviões vem do Rio Pixaim. Até agora, os militares já fizeram mais de 10 horas de voos, com 35 lançamentos de mais de 63 mil litros de água em marcos estratégicos para debelar o fogo.

Primeiro comandante da Polícia Florestal no Mato Grosso do Sul, nos anos 80, Angelo Rabelo, que agora participa com o Instituto Homem Pantaneiro do combate ao fogo, afirma que as queimadas históricas de 2020 deixaram lições.

“Temos uma condição climática pior do que no ano passado, mas melhoramos muito o combate ao fogo. Em 2020, quando chegávamos, o fogo já estava humanamente incontrolável. Agora montamos uma brigada em um local estratégico e melhoramos a vigilância”, lembra Rabelo.

Fonte: Diário de Cuiabá