Por: Euclides Ribeiro
Em tempos de pandemia e de olho nos seus possíveis desdobramentos para nossa sociedade, governos, empresas e cidadãos têm se deparado com uma coleção de conjecturas e exercícios de futurologia na esteira do chamado ‘novo normal’. Independentemente do que virá a seguir já temos a certeza de que crises como essa escancaram um desafio novo de um problema muito antigo: o eterno desequilíbrio de forças entre os elos poderosos da cadeia produtiva e os setores mais fracos, sufocados pelo sistema predatório e pelo acúmulo cada vez maior de riquezas.
Exatamente por isso o mundo pós-pandêmico traz quatro grandes obstáculos a serem superados pela sociedade: aumento da pobreza, desemprego, o grande número de falências e a necessidade de mais eficiência na oferta de crédito.
Aqui na América Latina a projeção é que teremos um aumento de 5% na taxa de pobreza e 2,5 % de pobreza extrema. Isso equivale a 44,7 milhões de pessoas a mais que viverão em situação de precariedade ou mesmo miséria. Sem o apoio coletivo, os mais pobres não sobrevivem às crises, quaisquer que sejam elas. Muitos estão morrendo do vírus. E um número maior ainda de pessoas está morrendo da pior das mazelas causada pelo esgarçamento do tecido social. Está morrendo de fome.
No Brasil, já estávamos mergulhados numa crise resistente praticamente desde 2014, quando os banqueiros assumiram o processo decisório na área econômica e tivemos uma recessão em 2015 (-3,8% do PIB), outra em 2016 (-3,6% do PIB). O desemprego disparou, o endividamento das famílias cresceu, o investimento na economia se retraiu e o país nunca demorou tanto para sair de uma recessão. Desde então, vínhamos com um crescimento da ordem de 1% ao ano, que descontando crescimento demográfico, nos coloca num patamar de total paralisia.
Somado a isso carregamos uma herança estrutural também crítica, numa profunda desigualdade de renda, de emprego e de riqueza. Estamos entre os 10 países mais desiguais do planeta, onde seis famílias detém mais riqueza acumulada do que a metade mais pobre da população de 105 milhões de pessoas.
Verdade seja dita que o Governo Federal vinha tentando o reequilíbrio fiscal no período pré-pandemia, mas teve que colocar um pé no freio nas reformas estruturantes para priorizar as demandas crescentes por gastos emergenciais direcionados à saúde, à população vulnerável sem renda fixa, ao financiamento às micro, pequenas e médias empresas sem faturamento, e, também, ao socorro financeiro a estados e municípios com perdas enormes de arrecadação tributária.
Portanto, do ponto de vista sanitário, a crise ainda levará vários meses até ser sanada. Mas é imperativo iniciarmos um planejamento para o futuro próximo. Se por um lado a ampliação de despesas públicas foi até agora fundamental para manter os níveis de emprego e renda, por outro não é economicamente viável imaginar que o estado brasileiro tenha condições de perpetuar o atual nível de gastos.
E como administrar essa crise nesse final de 2020 e ainda se pensar na volta do crescimento econômico em 2021? Em outras palavras, como pagar a conta da pandemia e gerar investimentos para a retomada dos negócios no período pós-pandemia? Esse é o atual impasse político que permeia as divisões dentro do governo e as descoordenadas articulações dentro do Congresso Nacional. Seguir o caminho de conter gastos e o retorno da austeridade fiscal pré-pandemia ou aumentar os gastos públicos para dar início a uma agenda desenvolvimentista ancorada pelo Estado?
O dilema é o mesmo entre escolher o remédio doce e paliativo ou o amargo que cura. Em suma, precisamos entender que, de forma ainda mais grave do que antes da pandemia, teremos de retomar o debate sem saídas fáceis ou demagógicas sobre a necessidade de promover o equilíbrio fiscal por meio de uma melhor gestão dos recursos públicos, controle efetivo da taxa de juros e de programas que reduzam estruturalmente as despesas governamentais.
Euclides Ribeiro, advogado especialista em Recuperação de Empresas e Empresários Rurais e pré- candidato ao senado pelo Avante