Fábrica de panela de SP é condenada por trabalho escravo em MT

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A Justiça do Trabalho de Mato Grosso condenou a Indústria de Alumínio Itapety, de Suzano (SP), e mais três homens por submeter cinco pessoas a trabalho escravo contemporâneo em Sinop.

Segundo os autos, as vítimas – que foram arregimentadas no Nordeste para vender panelas em Sinop – vão receber cada um R$ 10 mil por danos morais e um montante ainda a ser calculado em verbas rescisórias, como aviso prévio, 13º salário e férias proporcionais. Além disso, os réus foram condenados ao pagamento de R$ 100 mil por dano moral coletivo.

Recrutados em pequenas cidades dos estados da Paraíba e do Ceará, com promessa de emprego e bons salários, as vítimas – entre elas dois menores -, conforme a decisão judicial, passavam a viver uma realidade degradante de falta de condições básicas de higiene e alimentação insuficiente. Para completar, sofriam com a servidão por dívida, já que o que era oferecido era anotado para ser descontado do pagamento, inferior ao salário mínimo.

Transportados por mais de 3 mil quilômetros na carroceria de um caminhão-baú até Sinop, os cinco trabalhadores foram cooptados pelos três intermediários condenados – Joaquim Gonçalo Neto Cavalcante, Lindoan Gonçalo Cavalcanti e Lindon Jonhson Cavalcanti – para a revenda das panelas fornecidas pela Itapety.

O percurso, no qual os trabalhadores dividiam o espaço da carroceria com os produtos a serem vendidos, era feito somente à noite para fugir da fiscalização da Polícia Rodoviária.

O caso chegou à Justiça do Trabalho por meio de uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) com base em investigação da Polícia Federal (PF).

Os agentes encontraram o grupo dormindo em redes armadas em árvores ao relento, nas proximidades de um posto de combustível às margens da BR-163, em Sinop, sem local para higiene pessoal nem alimentação. À época, a situação vinha se repetindo havia 30 dias, com previsão de se estender por mais cinco meses.

Servidão por dívida

Os policiais federais encontraram, com um dos responsáveis por recrutar o grupo, diversos cadernos. Neles, havia anotações de controle dos débitos, iniciados antes mesmo dos trabalhadores saírem de suas cidades no interior do Nordeste e com a indicação de serem pagos com trabalho.

De acordo com as investigações, mesmo que trabalhassem muito, as dívidas só aumentavam, já que o lucro de R$ 5 obtidos pela venda de cada jogo de panela era irrisório e pelo fato de terem que pagar os custos das viagens, alimentação e banhos.

Dentre os casos vistos, um dos vendedores deixou sua cidade devendo R$ 600 e, ao chegar em Mato Grosso, já devia  R$ 1,4 mil; outro devia inicialmente R$ 5 mil e, no momento da operação policial, o débito já era de R$ 6 mil. Desse modo, mesmo que não vendessem nenhuma panela, contraiam novas dívidas pelos gastos das viagens como alimentação e banhos.

As investigações revelaram ainda que os trabalhadores só poderiam deixar a prestação do serviço quando conseguissem pagar a dívida ou quando um terceiro as quitasse por eles. Assim, caso quisesse trabalhar para outro dono de caminhão, esse teria de comprar a dívida em nome do trabalhador, que passava a dever ao novo dono de caminhão, estando sujeito a todas as ordens do novo dono.

Trabalho escravo

Ao julgar o caso, a juíza Eliane Xavier reconheceu o vínculo de emprego entre os trabalhadores e os três intermediários responsáveis pela contratação, condenando-os ao pagamento das verbas rescisórias, como aviso prévio, 13º salário e férias proporcionais.

Todas as condenações foram mantidas no Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso (TRT/MT). Por unanimidade, a 1ª Turma acompanhou o relator do recurso, desembargador Bruno Weiler.

Assim, após concluir se tratar de uma situação de trabalho análogo ao de escravo, o desembargador também confirmou a responsabilidade de todos responderem de forma solidária pelas indenizações e demais condenações.

Cegueira deliberada

Quando recorreu ao TRT pedindo que fosse excluída das condenações, a Indústria de Alumínios Itapety alegou que se limitava a vender seus produtos aos clientes proprietários dos caminhões e, por isso, não poderia ser responsabilizada pelo modo como esses geriam seus empregados.

Mas o argumento não convenceu os magistrados. Da mesma forma que a juíza na sentença, os desembargadores concordaram que se aplica ao caso a teoria da cegueira deliberada, quando a empresa que se beneficia diretamente da força de trabalho de toda a cadeia produtiva coloca-se conscientemente em situação de ignorância, sem se preocupar em saber por que meios seus produtos são revendidos e sem realizar visitas aos fornecedores.

“Não é razoável acreditar que a empresa não soubesse como se dava a venda dos produtos”, ressaltou o relator, concluindo ter ficado evidente que ela “simulava não saber da explícita ‘existência de grave violação a direitos humanos na base da teia produtiva’ para obter maior lucro em sua atividade econômica”.

De acordo o processo, a indústria fornecia as panelas aos três réus sem que esses fizessem qualquer pagamento imediato, de modo a viabilizar o escoamento de sua produção com o uso de mão de obra trabalhando em caminhões. Depoimentos e notas fiscais comprovaram também que a fabricante foi a real beneficiária da cadeia produtiva e, por consequência, da exploração dos trabalhadores.

Um dos réus que recrutava os vendedores afirmou, em seu depoimento, que todo dinheiro que recebiam era repassado para a fábrica das panelas, “que trabalha nesse sistema de adiantar valores” e depois tem que pagar de volta.

Fonte: Midianews