Pioneira no futebol de MT relata preconceito e xingamentos

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O amor pela rádio e a força de vontade para trabalhar em uma área dominada por homens fizeram com que Ariadna Cardoso se tornasse pioneira no futebol em Mato Grosso. Como mulher, foi primeira em muitos postos tradicionalmente ocupados por homens. Trabalhou como narradora, comentarista, plantonista esportiva, locutora do Verdão, além de ocupar o cargo de delegada dos jogos da Federação Mato-Grossense de Futebol (FMF). As informações são do site Midianews em matéria especial publicada no sábado (21).

“Poder participar dos eventos dominados por homens, onde não havia mulheres atuando, é marcante. Desde o preparo que eu tinha que fazer, até a execução do trabalho”, conta.

Armada apenas com a coragem e o desejo de entender como funcionava a transmissão radiofônica, a então estudante de Jornalismo foi até a Rádio Cultura de Cuiabá, onde pediu uma vaga de estágio. A partir daí a vida de Ariadna jamais foi a mesma. Em pouco tempo já fazia parte da equipe de um dos programas de maior audiência da rádio, “Bate Bola Amador Cultura”.

“Tomei gosto pela coisa e não demorou muito para pegar no microfone. E acabei fazendo de tudo um pouco. Fiz comentários, reportagens na pista, até narração, mas o que me consagrou mesmo foi o plantão esportivo” explica.

Nos plantões, Ariadna sentava no estúdio e se desdobrava para compilar os resultados dos jogos aconteciam pelo Brasil. Sem internet, ela precisava se dividir entre ouvir seu rádio de seis faixas e anotar as informações, enquanto o narrador a chamava de cinco em cinco minutos para anunciar os resultados.

Apesar de o trabalho ser cansativo, para ela o sentimento era apenas de gratidão. Ariadna conta que as experiências que viveu foram como ser empurrada no palco, mas proporcionaram um aprendizado que ela agradece até hoje.

Trabalho na Federação Matogrossense de Futebol

Ao final de uma de suas transmissões, ela recebeu o convite de trabalhar secretariando no Departamento de Futebol Amador da FMF.

Naquele momento, Ariadna, que já havia abandonado o curso de Jornalismo, tomou a decisão de traçar novos caminhos no mundo do futebol. Em uma segunda-feira ela se apresentou na federação e por lá permaneceu durante 13 anos.

“Eu digo que em um dia eu era a pedra e no outro fui vidraça. Porque, quando você trabalha na comunicação, encontra inúmeros defeitos e cobra. Mas quando está lá dentro, é outra coisa”, explica ela sobre as duas experiências.

Na FMF, Ariadna começou trabalhando como secretária de futebol da vice-presidência, até que subiu de cargo e passou a coordenar os campeonatos da categoria de base.

“Eu ia para campo colocar os campeonatos para rodar mesmo, acompanhava os jogos, trabalhava na beira do gramado”, relata.

Preconceito por ser mulher

Durante os anos em que trabalhou na rádio e na federação, Ariadna, como única mulher nas equipes, viveu situações difíceis. Ela conta que sofreu muito preconceito, recebeu xingamentos e ameaças de pessoas que não acreditavam em sua capacidade em trabalhar com esporte apenas por ser mulher.

“O diretor de um time do interior, descontente com o resultado do jogo, veio até onde eu estava e gritou: ‘Olha essa biscate, puta, só pode ser mesmo para ficar no meio só de homens’. Não tive dúvidas em acionar o policiamento”, relata sobre a pior situação que enfrentou.

No entanto, não eram apenas acontecimentos de fora que faziam Ariadna sofrer. Ela relata que, apesar da carreira sólida construída na rádio, durante os quatro anos primeiros anos em que era funcionária da federação o trabalho era muito, o dinheiro era pouco e o reconhecimento, nenhum.

“Me lembro que trabalhei ali muito tempo sem carteira assinada e ganhando um salário mínimo. No dia do pagamento, após  o expediente, eu sentava na porta da federação e chorava”, relata.

O sentimento que ela tinha era como se, por ser mulher, precisasse provar que merecia ter sua carteira assinada. Durante os anos em que ganhava um salário mínimo, conta que todos os novos funcionários que entravam recebiam mais que ela.

No entanto, ao ser questionada se passaria por aquelas situações de novo, Ariadna não hesita. Afirma que faria tudo de novo porque no final valeu a pena. “Eu consegui. Porque se hoje existe o futebol feminino, eu fui uma das que lutaram por ele. Eu briguei para que isso acontecesse”, explica.

Ariadna como primeira Delegada da Federação Mato-Grossense de Futebol no Estádio Luthero Lopes, em Rondonópolis

Incentivo ao futebol feminino

Uma das coisas que Ariadna mais se orgulha em sua carreira é a mudança que conseguiu proporcionar para o futebol feminino em Mato Grosso. Mesmo com toda a resistência que recebeu ao entrar na federação, batalhou para que as meninas tivessem condições de trabalho.

“Eu corria atrás, porque merecia.[…] Não é fácil você colocar um campeonato amador para rodar sem patrocínio. Se o profissional já tem dificuldades, imagina o amador. É preciso muita força de vontade”, explica.

Ariadna falava pelas garotas que jogavam, lutava para que elas conseguissem treinar, já que a maioria delas trabalhava e os patrões não facilitavam. Tudo em prol do sonho delas. E todo esse trabalho foi recompensado, porque durante o tempo em que trabalhou na federação o time feminino do Mixto se tornou referência dentro e fora de Mato Grosso.

“A gente trabalhava com sonhos. E quando você trabalha com o sonho de pessoas, você não pode falhar. Para mim foi muito gratificante, foi um marco na minha vida, pensar que eu pude fazer alguma coisa pelo futebol, principalmente pelo feminino”, relata.

Para ela ainda falta muito incentivo para o futebol feminino, não só em Mato Grosso, mas no Brasil todo. Porém, não desencoraja as meninas que sonham em jogar futebol a seguirem a sua vontade. Ariadna afirma que as mulheres sempre terão mais dificuldade para realizar suas metas, mas não podem se importar com o que os outros falam.

Jornalismo esportivo feminino

Desde o começo de sua carreira na comunicação, Ariadna nunca desistiu de alcançar seus objetivos, apesar dos caminhos tortuosos que precisou percorrer. Ela sempre correu atrás das oportunidades, e foi assim que conseguiu seu primeiro estágio que mudou sua vida. Apesar de ter desistido do curso de Jornalismo antes de se formar, sua história no rádio deixou seu legado.

“Essas mulheres que querem fazer isso têm que ir, não têm que importar com os outros, porque realmente vai existir resistência sempre, mas a gente não pode se importar com isso, nós precisamos ir, sempre de cabeça erguida”, afirma .

Como primeira em muitos cargos do futebol em Mato Grosso, ela acredita que nada deve impedir uma mulher de exercer a função que ela sonha. No entanto, ela não nega os obstáculos que terão que ultrapassar. Ao ser questionada sobre as jovens jornalistas que sonham em trilhar caminhos no esporte, ela não hesita.

“Você tem que fazer a mais, e assim mesmo ainda levando porrada. Mas não tem que fugir, porque em capacidade a gente está igual, ou até a mais que os homens. E se a minha história for para inspirar alguma pessoa que está vindo aí, eu digo que vá, que faça e que não se arrependa de nada, tudo é construtivo”.

Fonte: Midianews