Até o momento, a prefeitura já gastou 168% a mais do que o valor previsto no orçamento e não apontou de onde os recursos foram retirados para colocar na Comunicação.
Um dos números que chama a atenção é a soma dos empenhos entre os meses de janeiro a outubro deste ano, que chega a R$ 2 bilhões, valor este que é praticamente todo o orçamento da Prefeitura, que tinha previsão de R$ 2,5 bilhões para este ano.
A Secretaria de Comunicação de Cuiabá alega que o total empenhado é de pouco mais de R$ 40 milhões. E explica, por meio de nota, “que o aparecimento do valor de R$ 2 bilhões empenhados também se trata de uma inconsistência do sistema que, ao invés de sobrepor os valores, estava somando os dados alimentados mensalmente”.
Pois bem, após a análise de todas as planilhas, excluindo gastos com combustível, funcionário, INSS e outros, foi possível identificar que a Prefeitura de Cuiabá gastou 78% mais com as agências de publicidade em 2020, se comparado a 2019.
Os valores apresentados no Portal Transparência são de que foram pagos um total de R$ 17,4 milhões em 2019, enquanto teriam sido liquidados R$ 20,8 milhões, e foram empenhados R$ 218,6 milhões. Já em 2020, o valor pago até outubro é de R$ 22,2 milhões, ou seja, R$ 4,7 milhões a mais que em 2019, sem nem mesmo que o ano tenha terminado.
Já com relação ao valor liquidado, se tem R$ 23 milhões neste ano. E ao se falar em empenho, chega-se então aos R$ 2,7 bilhões. Isto mesmo, quase R$ 3 bilhões!
E eis que há outra inconsistência, porque quando se analisa os números gerais da pasta, as somas já são outras. No portal transparência, aparece orçamento inicial para 2020 o valor de R$ 21,2 milhões, porém, o atual já está em mais de R$ 72 milhões, o que representa um aumento de 248%. Além disso, já foram efetivamente pagos R$ 57 milhões, valor 168% maior que o orçamento inicial previsto. Porém, não foi informado sequer de onde foi retirado o recurso para ser aplicado na Comunicação.
Por outro lado, em 2019, a previsão inicial era de R$ 18,8 milhões e ao fim ficou em R$ 39,6 milhões e foram efetivamente pagos R$ 33,4 milhões.
Um outro dado que chamou a atenção da reportagem é de que o valor empenhado para 2020 é de R$ 90,8 milhões, porém, o liquidado está em R$ 103,4 milhões, fato que não pode ocorrer. Isto porque, o valor empenhado se refere à reserva que a Prefeitura faz para pagar determinado serviço; quando a empresa presta este serviço ele é considerado liquidado e quando a verba sai da conta da administração municipal para o fornecedor então é efetivamente pago.
E numa comparação com 2019, foram liquidados o total de R$ 38,2 milhões e efetivamente pago R$ 33,4 milhões. O que demonstra que em 10 meses a prefeitura já gastou 70% a mais do que em 2019.
Sim, os números parecem confusos, mas é isto que pode se constatar mesmo no portal transparência: planilhas divergentes, valores estranhos e inconsistentes.
A reportagem indagou, então, sobre o por quê de os valores liquidados serem superiores ao empenhado. Ainda tentamos entender o incremento no orçamento da comunicação neste ano. E questionamos também o que motivou o gasto deste ano ser tão superior ao de 2019. Por fim, o que justifica o empenho de R$ 2 bilhões.
O retorno foi de que “a partir da análise completa de todas as documentações, foi verificado que os valores existentes no Portal da Transparência não correspondem aos valores reais do orçamento da Pasta”.
A Secom disse ainda que diante da constatação, entrou em contato com a prestadora de serviço responsável por fazer a transferência dos dados para o Portal da Transparência, que reconheceu o equívoco e se comprometeu a executar as correções necessárias.
“A Comunicação também já direcionou ofícios à própria empresa, à Secretaria Municipal de Gestão, à Controladoria Geral do Município, além do fiscal e gestor do contrato com a empresa, solicitando uma análise técnica das inconsistências do sistema e requerendo a apuração da responsabilidade pela divulgação dos dados divergentes”.
Ocorre que uma semana depois que a nota foi respondida ao Leiagora, a reportagem voltou a consultar o Portal Transparência para saber se os números teriam sido “ajustados”, no entanto, nada mudou. Continua chegando à soma de valores incoerentes.
Já com relação aos gastos excessivos, a prefeitura informou que “diante da necessidade imposta pelo atual cenário mundial, a Secretaria de Comunicação, desde março, vem prestando grande colaboração com o enfrentamento à pandemia da Covid-19, por meio dos investimentos feitos em campanhas publicitárias, que têm orientado a população sobre as medidas necessárias para evitar a propagação do vírus. Tal ato está totalmente amparado por lei, conforme estabelecido no inciso VIII do parágrafo 3º da Emenda Constitucional nº 107”.
No entanto, não existe um detalhamento destes gastos, como, por exemplo, quantas campanhas foram realizadas e quais seriam estas campanhas.
Além disso, quando comparamos com os outros anos, como 2018 e 2017, percebemos que de janeiro a agosto do primeiro ano de mandato não constavam os gastos da Secom. Ao questionarmos o assunto, a prefeitura explicou que é porque a pasta ainda era ligada à Secretaria de Governo. Os gastos em 2017 com publicidade foram registrados somente a partir de maio.
Há ainda que se ponderar que em ano eleitoral existe limitação para os gastos com a comunicação, apesar deste ano a Justiça Eleitoral ter aberto uma ‘brecha’ para as despesas com propagandas informativas referente à pandemia do coronavírus. Ainda assim, a legislatição prevê que no primeiro semestre do ano eleitoral, não se pode superar a média do primeiro semestre dos três anos anteriores. A Prefeitura de Cuiabá já gastou mais de R$ 3 milhões da média referente dos anos 2017, 2018 e 2019.
Portal da ‘escuridão’
Apesar de a atual gestão, sob condução do prefeito Emanuel Pinheiro (MDB), insistir que não há reclamações ou problemas com relação à transparência dos gastos públicos do município, isso é uma inverdade, reconhecida pela própria Prefeitura ao admitir os lançamentos equivocados. Exemplo prático disso é que, em julho deste ano, o Tribunal de Contas de Mato Grosso (TCE-MT) emitiu orientação à prefeitura para que incluísse no portal os valores relativos à pandemia.
Mais recentemente, em outubro, a juíza Ana Cristina Silva Mendes, da 7ª Vara Criminal de Cuiabá, ao negar o retorno de Luiz Antônio Pôssas de Carvalho ao cargo de secretário de Saúde, notou a ausência de notas fiscais da compra de medicamentos no portal. Ela pontuou ainda que as informações levadas pela defesa do gestor eram ainda mais graves que a denúncia apresentada pelo Ministério Público.
Além disso, o promotor de Justiça Alexandre Guedes, do Ministério Público de Mato Grosso, também investiga a Prefeitura de Cuiabá por suposta má aplicação de recursos públicos. A denúncia foi feita pelo governo do Estado e dá conta também da omissão de dados de leitos criados para atender os casos da covid-19.
Não é de hoje a reclamação referente ao portal da escuridão, porque de transparente não tem nada. Inclusive, foi uma promessa não cumprida por parte de Emanuel Pinheiro, que colocou no plano de governo, em 2016, que seria uma administração transparente. O que se vê é uma realidade bem diferente.
E não é de hoje que o Leiagora aponta a falha no portal. Quando a prefeitura divulgou o portal que deveria trazer os números dos gastos com a pandemia, falavamos da dificuldade em encontrar as informações. E esta não é a primeira vez que ao questionar os dados, a prefeitura alega erro. Um deles, inclusive, é com relação às obras dos viadutos, que ao checarmos as informações no portal constatou-se que seriam 3 obras no valor de R$ 145 milhões, com um valor aditivo de R$ 16 milhões e outra vez a resposta foi “erro no sistema”.
Caberia aqui, inclusive, a música da cantora Pitty: “pane no sistema, alguém me desconfigurou. Aonde estão meus olhos de robô? Eu não sabia, eu não tinha percebido” .