O que levou a seleção brasileira a marcar um jogo treino com o Bangu pouco antes da Copa do Mundo de 1970? Talvez a antiga amizade entre João Havelange, presidente da Confederação Brasileira de Desportos, com o patrono banguense Guilherme da Silveira Filho.
A seleção brasileira tinha jogado no Maracanã contra a Argentina no dia 8 de março de 1970 e vencido por 2 a 1. Seis dias depois, voltaria a campo, agora para enfrentar o Bangu, em um jogo treino em Moça Bonita. Diferentemente dos dias atuais, em que o time só entra em campo para ganhar muito dinheiro, aquela partida não teve sequer venda de ingressos.
Os funcionários da Fábrica Bangu, os sócios do clube e, obviamente, a imprensa seriam os únicos grupos com acesso ao estádio.
Fontes chegam a calcular em mais de 30 mil pessoas o público presente. Exagero. Talvez tenha chegado a 20 mil. Todos os operários queriam ver a seleção, queriam ver Pelé, Rivelino, Jairzinho.
O Bangu, com sua fraquíssima formação dos anos 70, era o “saco de pancadas” da vez. Como o alvirrubro iria segurar as “Feras do Saldanha” com um time sem estrelas? O próprio técnico banguense, Flávio Costa, fazia questão de dizer que o seu time iria jogar retrancado, imitando o estilo que seleções menores fariam ao enfrentar o Brasil na Copa. Não era uma competição, era somente uma festa.
Mas, quem foi ver o Brasil viu o Bangu. No primeiro tempo, quem jogou mesmo foi o time vermelho e branco. Aos 25 minutos, Aladim cobrou uma falta, com violência, na trave. No rebote, o desconhecido atacante Paulo Mata, vindo do Bonsucesso, fez 1 a 0 – seria um dos raros gols dele com a camisa do Bangu.
Cara de cavalo
A torcida começou a ficar impaciente com a seleção. Em dado momento, os torcedores insultaram o treinador João Saldanha com o corinho “eu grito, eu falo, o Saldanha tem cara de cavalo”.
Flávio Costa percebeu que não só a torcida, mas também os altos dirigentes da CBD iriam se aproveitar do mau resultado para “fritar” Saldanha. Para facilitar ainda mais as coisas para a seleção, o Bangu voltou com nove reservas no segundo tempo. Dos titulares, só o zagueiro Serjão e o lateral-esquerdo Bauer continuavam em campo. Jogadores tarimbados como Luís Alberto, Mário e Aladim foram para o banco, assistir à provável virada do Brasil.
Virada que não veio, apesar de algumas alterações de João Saldanha: Zé Maria no lugar de Carlos Alberto Torres, Zé Carlos na vaga de Clodoaldo e Edu no ataque, saindo Dirceu Lopes.
O empate acabou surgindo, em um lance de botafoguenses: Paulo César cruzou para Jairzinho.
O zagueiro Moraes, em sua estreia nos profissionais do Bangu, precipitadamente, acabou cortando mal, contra as redes do goleiro Devito: 1 a 1. O Brasil acabou fazendo um segundo gol com Jairzinho, mas o juiz anulou. Antes, ele fizera falta no goleiro banguense.
O placar inesperado fez a multidão sair preocupada do estádio. Poucos dias antes, o Fluminense tinha vencido o mesmo Bangu, no Maracanã, por 2 a 1, sem muitos problemas. A seleção sequer conseguira jogar bem.
Guinada histórica
O fim do técnico João Saldanha estava próximo. Não só pelo empate com o Bangu, mas por inúmeras divergências e brigas com membros da comissão técnica. Dois dias depois do jogo em Moça Bonita, João Havelange criticou publicamente o comando técnico da seleção. Na terça-feira à noite, Saldanha foi chamado para uma reunião na CBD. O recado era claro: “a comissão técnica estava dissolvida”, ou melhor, nem toda a comissão, apenas Saldanha. Admildo Chirol, preparador, Lídio Toledo, médico, continuariam.
Na quarta-feira, também à noite, Zagalo aceita o encargo de comandar o Brasil na Copa do México, em 1970. O restante da história todo mundo já sabe. Nenhuma outra seleção conseguiu sequer um empate contra aquele timaço. O que o Bangu fez em Moça Bonita, ao segurar o Brasil, ninguém fez. Foram seis jogos e seis vitórias na Copa: Tchecosláquia (4 x 1), Inglaterra (1 x 0), Romênia (3 x 2), Peru (4 x 2), Uruguai (3 x 1) e Itália (4 x 1, na finalíssima). Éramos tricampeões, sem João Saldanha, e com Zagalo no banco.
O Bangu, sem querer, acabou lucrando com o empate. Dez dias depois, estava jogando dois amistosos em Aracaju. Afinal, mais gente queria ver o tal time que tinha “parado” a seleção.
(Pedro Ivo de Oliveira / Agência Brasil)