Em entrevista exclusiva ao HNT / HiperNotícias, a 2ª subdefensora pública, Gisele Chimatti Berna, afirmou que em todas as unidades penitenciárias de Mato Grosso há presos dormindo no banheiro. A declaração foi feita na tarde desta sexta-feira (20), durante uma conversa sobre o atual momento do sistema penitenciário mato-grossense.
Além da superlotação, a defensora falou com a reportagem sobre a “Operação Elison Douglas”, realizada na Penitenciária Central do Estado (PCE), para retirar as regalias dos cerca de 2.500 detentos da unidade. Durante o bate-papo, Gisele comentou também sobre a força-tarefa, que pretende revisar a situação processual dos presos, tornozeleira eletrônica e sobre a atual gestão da defensoria.
A seguir, você pode acompanhar a opinião e os relatos da defensora em uma entrevista exclusiva ao HNT:
HNT / HiperNotícias: Depois da “Operação Elison Douglas”, que apreendeu mais de 171 celulares, carregadores e chips, a senhora percebeu uma melhora na parte estrutural da PCE?
Gisele Chimatti: Depois da reforma, realmente melhorou. A Secretaria de Segurança Pública (Sesp) limpou e organizou. O que eu vi, esteticamente melhorou. Eu não sei dentro das celas porque parece que eles querem construir uma cama de cimento a mais e isso seria um possível aumento de vagas. Mas, isso pra mim não é aumento de vagas. O espaço físico é o mesmo. Hoje, todo o sistema do Estado é de camas de concreto. Eles querem aumentar uma cama, isso não vai aumentar o espaço. Existem presos dormindo no chão, no banheiro, amontoados uns com os outros. Nós temos fotos que são terríveis. Presos ombro a ombro em um calor de quase 50ºC dentro da cela. Em todas as unidades do Estado tem detento dormindo no banheiro porque não cabem nas camas. Em uma cela que cabe oito pessoas, está com 30.
HNT/ HiperNotícias: Qual a sua avaliação sobre operação?
Gisele Chimatti: Já foi feito uma inspeção na PCE. Nós estamos em conversa, quase que diária com o diretor da unidade, Agno Ramos, o superintendente Simone Lara, ajustando alguns pontos mais delicados, como problemas com a água. Imagine, Cuiabá batendo recorde de calor e os presos estavam com restrição de água, mas parece que isso já está sendo resolvido. Depois de 30 dias, a visita dos familiares voltou. Então, a gente observa e depois questionamos sobre essas possíveis condutas. Pedimos para que fossem feitos alguns reajustes, mas até o momento não entramos com nenhuma medida. Se observamos alguma coisa que não é possível de ser resolvida administrativamente, a gente pode tomar as medidas judiciais cabíveis. Uma prisão não pode ser uma masmorra. E o papel da defensoria é garantir os mínimos direitos a isso.
HNT / HiperNotícias: Os detentos relataram algum tipo de tortura durante a operação?
Gisele Chimatti: Nós ainda estamos fazendo levantamento durante um mutirão para revisão da situação de todos os presos da PCE. Nessa força-tarefa, além da informação processual, nós temos uma ficha, que caso o preso relate algum caso de maus tratos e tortura estão sendo coletados essas informações para que a gente possa tomar outras providências. Mas, nós temos relatos sim de tortura durante essa. Mas, ainda não temos os números de denúncias, pois o mutirão ainda está em andamento. Ao final dos trabalhos, eu vou ter esses dados exatos. Mas, posso dizer que estamos tendo relatos de espancamento, coação psicológica principalmente nos primeiros 30 dias de ação, onde houve um embate mais forte. Porém, os casos ainda não foram apurados.
HNT / HiperNotícias: Qual é a maior reclamação dos presos em Mato Grosso?
Gisele Chimatti: A principal reclamação dos presos é a necessidade de informação, sobre o processo, sobre o que está acontecendo com ele (o detento). Então, mais que reclamação de maus tratos, nós tivemos muito mais questionamentos sobre a situação processual deles.
HNT / HiperNotícias: Qual a sua avaliação sobre o sistema carcerário de Mato Grosso?
Gisele Chimatti: Nós estamos passando, não só em Mato Grosso, situações de super encarceramento. Todas as unidades penitenciárias de Mato Grosso estão superlotadas, umas mais outras menos. Essa superlotação, além dos problemas pelo maior número de detentos, você acaba restringindo direitos. O detento quando é preso só é lhe tirado a liberdade, não os outros direitos. Esses outros direitos permanecem intactos. Mas, em uma situação de superlotação, os direitos dos presos são retirados. A gente não consegue um banho de sol, a gente não consegue fazer um projeto para trabalho. O preso não é pra ficar em uma situação degradante. As unidades penitenciárias do nosso Estado e do Brasil são piores que masmorras. Sem condições de saúde, higiene, luminosidade, salubridade. Como que em um espaço para 10 pessoas ficam, 30, 40? Só aí você já está violando direitos.
HNT / HiperNotícias: Como é o trabalho dos defensores na revisão processual dos presos?
Gisele Chimatti: A Defensoria é órgão da Execução Penal. Porém, nós não atuamos somente na Execução Penal. Nós atuamos em todas as áreas. Na nossa organização administrativa, existem defensores com atribuições para atuar na execução penal. Em Cuiabá, nós temos apenas três defensores para fazer isso. Para atuar tanto na PCE, quanto na penitenciária feminina, na Cadeia do Capão, em Várzea Grande, e com os presos em semiaberto, enfim. É uma imensidão de presos tanto no regime fechado como semiaberto, como aberto, que são de atribuições desses três defensores.
HNT / HiperNotícias: Como é feito essa divisão?
Gisele Chimatti: Os defensores públicos sem dividem por unidade prisional. Então, atualmente nós temos um único defensor público responsável pela PCE. Para os presos provisórios, existem 16 defensores lotados em Cuiabá, que seriam responsáveis pelos seus respectivos detentos. Todo aquele preso que não tem condição de contratar um advogado, é encaminhado à Defensoria Pública. Ninguém pode ser condenado sem um advogado ou sem um defensor público. Ou seja, são 16 defensores para os réus provisórios divididos nas 16 varas criminais de Cuiabá.
HNT / HiperNotícias: Qual é o efetivo da Defensoria Pública?
Gisele Chimatti: Hoje nós somos 188 profissionais, pois dois pediram exoneração, para todo o Estado, sendo que o ideal é 255. Então, a gente só está presente, acho que em 40 comarcas do Estado. A gente tem quase a metade do Estado descoberto de defensor público. O meu sonho é montar um núcleo, em Cuiabá, com 10 defensores da Execução Penal para ficar no tamanho ideal. Nós estamos em uma situação muito difícil. A demanda é cada vez maior, são diversos pedidos.
HNT/ HiperNotícias: Qual a função do defensor público?
Gisele Chimatti: A função do defensor público não é meramente processual, não é meramente fazer pedido e estar lá. Tem toda uma função social de promover demandas, de participar de conselhos, do Conselho do Idoso, Conselho da pessoa presa, Conselho da Pessoa com Deficiência. Um defensor público é muito mais do que um mero advogado. Ele é um transformador da realidade social. O defensor público é um canal da sociedade, é a voz daquelas pessoas mais humildes que pleiteiam os seus direitos de todas as formas. A defensoria é muito mais que uma mera realização de atos judiciais. O nosso trabalho é transformação da realidade social.
HNT / HiperNotícias: Quem pode provocar a Defensoria Pública?
Gisele Chimatti: O próprio juiz ou o familiar. Se é um preso provisório e chega na audiência o juiz pergunta se ele tem um advogado. Se ele disser que não tem, ele comunica o defensor responsável por aquela vara. Se é na Execução Penal, onde temos menos audiência, a própria família do preso procura o núcleo de Execução Penal ou o defensor. A gente recebe bilhete, pedidos, e através disso nós atendemos a pessoa.
HNT/HiperNotícias: Sobre o decreto assinado pelo governador Mauro Mendes (DEM), que obriga o condenado a pagar a própria tornozeleira. Qual a sua opinião?
Gisele Chimatti: Quem tem a obrigação de fornecer o local adequado ao preso cumprir pena é o Estado. Essa medida é totalmente inócua. Porque a maioria dos presos são beneficiários da Justiça gratuita, são assistidos pela defensoria pública. Então, se o Estado acha que vai economizar alguma coisa com isso, não fez as contas corretas, pois a grande maioria das pessoas condenadas são de baixa renda e o decreto é claro ao dizer que para os presos de baixa renda, o Estado que iria arcar. Diante disso, a economia é mínima. Daqui uns dias vão falar que o preso é quem tem que criar a própria cela. Esse decreto é o início de uma privatização que não é cabível. Em medida de economia não sei se surtirá os efeitos pretendidos.
Fonte: Hipernotícias