Um caso de agressão motivada por homofobia, ocorrido no município de Alto Boa Vista (1.119 quilômetros a Nordeste de Cuiabá), resultou na instauração de inquérito policial para apurar crimes de lesão corporal, injúria e racismo. Esta conduta está em consonância com o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), que incluiu a homofobia e a transfobia no artigo 20 da Lei 7.716/1989, que criminaliza o racismo.
No dia 7 de março, três mulheres estavam em um bar quando uma delas, que é homossexual, dirigiu-se ao banheiro feminino e foi abordada por um homem. Segundo o que foi relatado à polícia, ele disse para ela utilizar o banheiro masculino e a vítima pediu respeito por parte do suspeito. Mas ele insistiu que ela deveria utilizar o banheiro masculino em função da orientação sexual e proferiu palavras ofensivas.
Nervosa, a vítima retornou à mesa e relatou o fato às amigas. Uma delas foi até o suspeito para tirar satisfações. Durante a discussão, começou a ser agredida com socos no rosto e na cabeça e, posteriormente, desmaiou. Na tentativa de cessar as agressões, a vítima que tinha sido ofendida tentou acertar um copo de vidro contra o suspeito e acabou cortando dois dedos da mão. Neste momento, outros clientes que estavam no bar interviram e conseguiram afastar o homem.
A testemunha e a mulher que sofreu crime de homofobia levaram a vítima desacordada a uma unidade de saúde. De lá, acionaram o Disque 190, que encaminhou uma guarnição da Polícia Militar (PM-MT) para diligências e buscas ao suspeito, que fugiu em uma motocicleta. Ele não foi encontrado na ocasião.
Crime inafiançável e imprescritível
A equiparação dos crimes de homofobia e transfobia ao crime de racismo foi aprovada pelo STF em junho de 2019. Com isso, assim como as práticas racistas, a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero passou a ser crime inafiançável e imprescritível. Dessa forma, pode ser punido com um a cinco anos de prisão e, em alguns casos, multa.
Segundo a titular da Delegacia da Polícia Judiciária Civil (PJC-MT) de São Félix do Araguaia, delegada Ana Carolinne Mortoza Lacerda Terra, esse foi o primeiro caso de homofobia conduzido por ela, após o entendimento do STF. “Os fatos ainda são recentes e estão em investigação, mas o que podemos destacar é a responsabilidade do delegado de polícia de harmonizar a segurança pública e a proteção da dignidade humana, principalmente das vítimas mais vulneráveis”.
A delegada ressaltou ainda que é fundamental agir na repressão a crimes como este. “Todos têm direito ao livre desenvolvimento da personalidade, à autodeterminação e opção da escolha existencial. Não podemos deixar que condutas tão odiosas se tornem uma constância em nosso meio, portanto esse tipo de repressão aos autores e proteção penal às vítimas é o mínimo a ser feito nesses casos”.
Acompanhamento dos casos
O caso foi comunicado pela delegada ao Gabinete Estadual de Combate aos Crimes de Homofobia (GECCH) da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp-MT), que é responsável pelo acompanhamento dos crimes de homofobia e transfobia em Mato Grosso.
“A impunidade, muitas vezes, incentiva a prática criminosa. Por isso, a instauração de procedimento investigativo levando em consideração o entendimento do STF faz parte do esforço de mudança de comportamento e quebra de paradigmas que a sociedade ainda carrega com base em preconceitos”, frisou o coordenador do Grupo, tenente-coronel PM Ricardo Bueno.
A unidade também capacita os profissionais da segurança, visando à conscientização do atendimento ao público LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transsexuais). Um exemplo é a programação do Estágio de Qualificação dos Sargentos da PM-MT, direcionado aos policiais que concorrem à promoção na carreira. Realizado ao longo de março de 2020, ele inclui o módulo abordado pelo GEECH. Até o momento, já foram capacitadas 60 pessoas, do total de 115 participantes.