Por: Guilherme Antonio Maluf
A cena que mais se vê ultimamente na Grande Cuiabá é a fila nas farmácias. Uma busca alucinada por medicamentos que supostamente tem sucesso no combate ao coronavírus. A maioria não consegue os medicamentes e quando consegue é por preços exorbitantes, cinco a dez vezes maiores que os de seis meses atrás. Um problema que afeta o cidadão comum e toda a rede hospitalar pública e privada.
As filas e o desabastecimento de medicamentes são reflexos da atuação insuficiente do poder público e do oportunismo criminoso de alguns fornecedores. Em plena pandemia, hospitais aqui e em todo o país registram falta de insumos básicos, alguns fundamentais, como os medicamentos utilizados por pacientes que estão nas UTIs. Os estoques estão se esgotando e quando os medicamentos são encontrados, tem preços astronômicos, como é o caso dos anestésicos usados para sedação e dos bloqueadores neuromusculares para as intubações. Sem eles, a ventilação mecânica não pode ser feita de forma adequada e o paciente corre maior risco de morrer.
Está claro que existem especuladores, empresários desonestos se valendo da pandemia para ganhar dinheiro. Em situações de emergência, infelizmente, há sempre os oportunistas de plantão. Contra estes, a legislação atual é suficiente, desde que seja duramente aplicada.
Hoje já sabemos qual é a prioridade de medicamentos úteis no combate ao Covid-19. Precisamos abastecer a população internada e a que vem sendo tratada ambulatoriamente, mas com preços justos e sempre a partir do acompanhamento médico. Os pacientes do SUS precisam dispor da mesma oferta de medicamentos existente na rede privada, em todas as fases do tratamento. A assistência farmacêutica é uma garantia constitucional e um dos pilares do Sistema Único de Saúde e não pode ser relegada a um segundo plano.
Especuladores à parte, é certo que existe um desabastecimento real e precisamos de medidas urgentes para combatê-lo. Em virtude de alta demanda por medicamentos da terapia intensiva, a indústria não tem conseguido produzir com a necessária rapidez para atender as novas necessidades. Secretarias estaduais de Saúde informaram uma alta de mais de 700% na utilização desses medicamentos desde o início da pandemia. Hoje, a maioria deles é comprada diretamente pelos Estados e municípios ou pelos hospitais. Penso que a intervenção do ministério da Saúde junto à Anvisa e aos fabricantes também poderia facilitar estas compras.
Pessoas estão adoecendo e morrendo em escala sem precedentes, agravada pela falta de medicamentos e não podemos nos conformar com esta situação. Urge adotar também medidas que estimulem a produção destes medicamentos essenciais, a começar pela redução de tributos para produção e importação. Os legisladores podem dar uma contribuição importante neste aspecto. Se não tivermos indústrias suficientes, vamos usar as farmácias de manipulação, que funcionam como pequenas indústrias.
É louvável a atitude de alguns prefeitos que estão ajudando a população com medicamentos, mas eles precisam de ajuda dos governos estadual e federal e não podem distribuir remédios sem receita médica. Também não podemos permitir o surgimento de um mercado negro para os medicamentos do combate ao Covid. Por isso é fundamental que todos fiscalizem e denunciem, do cidadão comum aos gestores públicos e as instituições. A Ouvidoria do Tribunal de Contas também está à disposição para receber as denúncias sobre a falta de medicamentos.
A partir desta semana o TCE passa a quantificar e acompanhar o abastecimento dos estoques de medicamentos nas UTIs. Vamos entrar em contato com as 141 comissões de saúde dos municípios e os controladores internos e externos, para que nos auxiliem nesta fiscalização. É importante também estreitar a comunicação entre os hospitais públicos e privados para um amplo levantamento dos estoques disponíveis na Capital e no interior, estudando as possibilidades de remanejamento emergencial entre as instituições.
O poder público é fundamental na orientação da população para que não faça estoque de medicamentos e não use remédios sem receita. Mais uma vez chamo a atenção dos gestores para que usem a rede básica de saúde para controle e estratégia desta logística. As equipes de atenção básica e o exército de agentes comunitários de saúde e de combate à endemias podem ajudar nesta importante missão .
Se já era difícil conviver com a falta de UTIs, respiradores e EPIs, agora temos o novo desafio da falta de medicamentos. Precisamos reagir e agora é ainda mais importante a união de todas as esferas do poder público, setor privado e sociedade organizada para que, juntos, possamos superar esta pandemia. A questão maior, o que realmente interessa, é a vida de cada cidadão.
Guilherme Maluf é presidente do Tribunal de Contas de Mato Grosso (TCE-MT)