A 1ª Vara do Júri de São Paulo condenou o ex-cabo da Aeronáutica e publicitário Frederico Carneiro Soares por feminicídio praticado contra a filha na última quinta, 22. Segundo os autos, em fevereiro de 2017, ele atirou contra a moça na presença dos netos, na Zona Sul de São Paulo, em razão de conflitos causados pela disputa por parte de imóvel onde a vítima morava, herança deixada pela mãe, diz MP. No entanto o réu mudou a versão, e agora disse que não foi ele quem atirou na filha.
Frederico Carneiro Soares foi condenado a 28 anos de prisão. O julgamento popular e a sentença ocorreram no Fórum da Barra Funda, Zona Oeste da capital. A informação foi confirmada pelo Tribunal de Justiça (TJ) e pelo Ministério Público (MP).
Após votação secreta, os jurados condenaram o Frederico Carneiro Soares por homicídio qualificado por feminicídio e motivo torpe, sem dar chances de defesa à filha Maira Cintra Soares. Ela foi assassinada com dois tiros pelo pai, em 10 de fevereiro de 2017, na frente dos filhos dela. O réu tem 65 anos atualmente; a vítima tinha 40 quando foi morta.
Segundo a acusação feita pelo Ministério Público (MP), o motivo do crime foi a disputa judicial entre a vítima e o pai pela herança que a mãe dela havia deixado para Maira e seu irmão mais novo: metade do valor de um imóvel e o salário dela, depois que morreu em 1987.
Frederico, que já estava preso preventivamente logo após o crime, continuará detido por decisão da Justiça: cumprirá o restante da pena em regime fechado, descontando dela os mais de três anos que ficou atrás das grades. Não foi informada qual será a unidade prisional onde ele ficará.
Ao definir a pena, o juiz destacou as circunstâncias e as consequências do crime, frisando que o pai violou medida protetiva consistente em evitar maior proximidade com a apontada vítima. Segundo o magistrado, a postura revelou audácia criminosa e completo desrespeito às instituições regularmente constituídas.
“Além disso, uma vez que foram extrapolados os ortodoxos consectários decorrentes do delito, não se pode ignorar as nefastas consequências do crime que deixou órfãos três filhos menores da ofendida, que atualmente são criados pela respectiva irmã mais velha (também órfã), uma jovem que, na época do crime, tinha apenas 20 (vinte) anos de idade”, escreveu ainda o juiz.
Troca de versões
Durante seu interrogatório no júri, Frederico mudou a versão que havia dado anteriormente à Polícia Civil.
Antes do julgamento, ele tinha dito aos policiais que atirou na filha sem querer depois de se sentir ameaçado pelos vizinhos, que tinham ido ver o que aconteceu após ele discutir com Maira no sobrado onde os dois moravam , na Vila Sônia. Eles dividiam a residência: ela morava no térreo à época, cuidando sozinha dos filhos de 8, 5 e 3 anos.
O pai também residia no sobrado, mas no andar superior. Contudo, havia uma medida protetiva dada pela Justiça em favor da filha para que Frederico não se aproximasse dela. No entanto, ele descumpriu isso.
Na versão diferente e nova que deu à Justiça durante o júri, o réu contou que a arma usada no crime não era dele. Segundo Frederico, um vizinho estava armado quando pai e filha discutiram. Ainda de acordo com o publicitário, o sujeito tentou sacar a arma contra ele, que segurou seu braço. Nisso, esse homem acabou disparando e atingindo Maira, que morreu no local.
Após a morte de Maira, Frederico fugiu com uma namorada. Ele se entregou três dias depois em uma delegacia, onde havia confessado o crime à época, alegando legítima defesa. Versão essa que mudou no julgamento.
“Não se pode ignorar as nefastas consequências do crime que deixou órfãos três filhos menores da ofendida, que atualmente são criados pela respectiva irmã mais velha”, escreveu o juiz Luis Gustavo Esteves Ferreira na sentença que condenou Frederico e aplicou o tempo de pena que ele terá de cumprir preso.
Ainda de acordo com o magistrado, “não se pode ignorar que o acusado praticou o feminicídio quando vigente medida protetiva em favor da vítima”.
O promotor Felipe Zilberman disse que achou a sentença justa. “não pretendo recorrer. Quase chegou na pena máxima de 30 anos”.
“O delito foi cometido com brutalidade incomum e extrema violência na presença dos filhos pequenos da vítima”, disse Felipe. “É um feminicídio gravíssimo, praticado por motivo torpe e revelador da extrema periculosidade do réu”.
O feminicídio é uma qualificadora do homicídio. O termo é usado para denominar assassinatos de mulheres cometidos em razão de gênero. Segundo a lei, envolve violência doméstica ou familiar.
Devido à quarentena imposta pelo governo estadual, todas as pessoas que participaram do julgamento foram obrigadas a usar máscaras para se protegerem do vírus. No júri conduzido pelo magistrado também não teve a presença de plateia. Além disso houve distanciamento entre os sete jurados.
Oito testemunhas arroladas pela acusação e defesa foram ouvidas pelo juiz. Também ocorreu o interrogatório do réu e, por último, o Ministério Público e os advogados do acusado falaram. Em seguida, os jurados votarão numa sala secreta para saber se condenavam ou absolviam Frederico. O resultado dos votos não é mais divulgado, mas a decisão do júri foi pela condenação do réu.
Dois vídeos ajudaram a acusação a condenar o pai de Maira. Um foi gravado pela filha e postado nas redes sociais dela em agosto de 2016. Na filmagem, a mulher conta a disputa judicial entre ela e o pai em torno da herança da mãe. Também falou que ela e o irmão mais novo sofriam maus tratos por parte de Frederico (veja acima).
O outro vídeo, gravado por um vizinho de Maira em fevereiro de 2017, captou o áudio da discussão entre Frederico e a filha antes dele matá-la. No bate-boca, a mulher reclama da maneira como o pai trata ela e o irmão, que é esquizofrênico e recebe pensão da mãe (assista acima):
Maira: “Ele não tem coração, se ele tivesse coração ele não fazia o que ele faz comigo e com o Luciano.”
Frederico: “Aqui se faz, aqui se paga.”
Maira: “Exatamente. Deus tá vendo tudo isso aí.”
Logo depois da discussão, Maira foi morta com dois tiros e Frederico fugiu. Os três filhos pequenos dela presenciaram o crime. Além disso, uma testemunha contou ter visto o homem armado.
Uma irmã de Frederico, porém, chegou a dizer que antes do crime, o assassino vivia sob forte estresse por causa das brigas e que Maira queria o dinheiro da pensão do irmão porque não tinha emprego fixo.
Fonte: G1 MT