Se antes o trabalho de motorista de aplicativo representava a ideia de “ser seu próprio chefe” e “fazer o próprio horário”, os constantes aumentos no preço do combustível fizeram com que os lucros se transformassem em prejuízo e causasse uma espécie de debandada.
Ao MidiaNews, Kleber Campos, de 45 anos, conta que quando começou a trabalhar como motorista de aplicativo em 2017 chegou a ganhar até R$ 7 mil mensais. No entanto, desde o começo do ano decidiu se dedicar a outras formas de obter renda.
Ainda no começo da pandemia do coronavírus, em 2020, Kleber percebeu que precisaria explorar “outros horizontes”. Isso porque, com a Covid-19, a orientação era de isolamento social e evitar aglomerações. A Prefeitura de Cuiabá chegou a decretar o fechamento do comércio quando os primeiros casos foram confirmados. As medidas de prevenção necessárias para combater a doença diminuíram o número de passageiros.
Em determinado momento da pandemia, a alta nos índices de desemprego aumentaram a demanda de novos motoristas.
“Muitas pessoas ficaram sem trabalho e baixaram um aplicativo para começarem a fazer corridas. Se antes haviam 30 corridas para cada, caiu para 15, por exemplo. E é complicado isso, porque hoje a taxa de locação do carro chega a R$ 500 por semana, além do combustível e da manutenção desse veículo”, disse.
Agora, por conta do preço do combustível, o movimento é o contrário: motoristas estão se desligando dos aplicativos e deixando de aceitar corridas. Quem utiliza o aplicativo Uber, por exemplo, já percebeu a demora na chegada dos motoristas e também os cancelamentos.
Kleber conta que abasteceu o carro pela última vez com álcool, pelo valor de R$ 4,29 por litro. De acordo com ele, para um motorista de aplicativo conseguir ter lucro atualmente e conseguir arcar com os custos de locação e manutenção, precisa trabalhar no mínimo 12 horas.
“Quem tinha carro financiado começou a não conseguir mais pagar e teve que ir para a locação. Antes era até R$ 350 por semana. Hoje, pelo valor de R$ 500 fica difícil. Para o motorista tirar R$ 500 em uma semana não é fácil. Tem que fazer muita corrida”.
Ela também explica que corridas com trajetos curtos ou com ponto de embarque muito distante de onde o motorista está se tornaram sinônimo de perder dinheiro, já que muitas vezes o trajeto para buscar o passageiro é maior do que até o destino escolhido.
Ou seja, o motorista já começa a corrida perdendo dinheiro.
“Mesmo trabalhando 12 horas, não significa que todas as corridas serão ‘boas’. Por exemplo, você está no CPA e a pessoa te chama no Palácio do Governo para ser levada até o Centro: não compensa, o motorista só vai gastar combustível”, disse.
Tudo isso tem resultado em consequências também para o consumidor final.
O tempo de espera para conseguir uma corrida está cada vez maior, podendo chegar até 16 minutos. E, muitas vezes, os motoristas preferem rejeitar viagens em que esteja muito longe do ponto de embarque do passageiro, já que isso causaria um maior gasto de combustível.
“Escravo do aplicativo”
Kleber lamenta que as atuais condições econômicas forcem o motorista de aplicativo a trabalhar ainda mais. A jornada incansável representa horas longe da família e falta de tempo para se dedicar a qualquer outra coisa a não ser aos passageiros.
Segundo ele, muitos estão optando por trocar a “liberdade” oferecida pelo trabalho de motorista de aplicativo por empregos com carteira assinada e salários menores.
“Aqui no Brasil o pessoal se aproveita da situação, então com a pandemia subiram tudo”, afirmou.
Quando dedicava a maior parte do tempo ao aplicativo, Kleber já chegou a fazer 35 corridas em um único dia. No entanto, nas últimas vezes que tentou mal conseguiu uma.
Outro problema apontado por ele é que a taxa paga pela Uber por quilômetro rodado, que segundo ele é a mesma desde a criação do aplicativo.
“A Uber ainda paga R$ 0,99 por quilômetro rodado. Se esse valor acompanhasse o preço do combustível conseguiríamos resistir, mas isso aumentaria o preço para o consumidor final. Se os aplicativos estão aumentando o valor da corrida, como muitos falam, esses repasses não estão vindo para os motoristas”, disse.
Efeitos da pandemia
A assessoria de comunicação da Uber informou que não é possível estimar queda ou aumento de motoristas de aplicativo em Mato Grosso, já que a empresa não possui relação trabalhista convencional com os parceiros.
Com eles ligam e desligam o aplicativo na hora em que preferem, a Uber não possui dados regionais.
A Uber também informou que por conta avanço da vacinação contra Covid-19 e reabertura progressiva das atividades comerciais, o tempo de espera tem sido maior para os usuários do aplicativo, especialmente em horários de pico.
De acordo com a empresa, em Cuiabá, os motoristas que dirigiram por volta de 40 horas ganharam entre R$ 1.340,00 a R$ 1.420 por semana.
“A demanda elevada significa que o app da Uber está tocando sem parar para os parceiros, situação em que eles relatam se sentirem mais confortáveis para recusar viagens, pois sabem que virão outros chamados na sequência, possivelmente com ganhos maiores”, diz trecho da nota.
A Uber ressaltou que os motoristas da plataforma conseguem ganhos superiores aos rendimentos mensais de várias atividades no Brasil. A plataforma afirmou que o preço dos combustíveis “foge ao controle”, mas que a empresa tem parcerias para oferecer vantagens aos motoristas.
Fonte: Midianews